Anemias Hiperproliferativas: Diagnóstico, Tipos e Tratamentos Explicados
30 de abril de 2025

As anemias hiperproliferativas são um grupo de condições em que há uma produção excessiva de reticulócitos pela medula óssea como resposta a uma redução na quantidade de hemácias circulantes. Essas anemias podem ser divididas em dois tipos principais: anemias hemolíticas, onde as hemácias são destruídas prematuramente, e anemias por perda sanguínea aguda, resultantes de hemorragias. A medula óssea responde a essas condições tentando compensar a perda de hemácias, gerando mais reticulócitos.

Diferenciando as anemias hiperproliferativas das hipoproliferativas, as primeiras (hiper) envolvem uma resposta compensatória com a produção aumentada de células sanguíneas imaturas (reticulócitos), enquanto as segundas (hipo) ocorrem quando a medula óssea não consegue produzir hemácias suficientes, muitas vezes devido a doenças como a falta de matéria-prima ou aplasia medular.

Importância do diagnóstico correto

É crucial um diagnóstico preciso das anemias hiperproliferativas, uma vez que um erro na identificação pode prejudicar a qualidade de vida do paciente e afetar seu prognóstico. A anemia não tratada ou mal diagnosticada pode levar a fadiga crônica, fraqueza, e complicações associadas, como insuficiência cardíaca ou complicações renais em adultos e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em crianças.

Diferença entre anemias hemolíticas e anemias por perda sanguínea

As anemias hemolíticas envolvem a destruição acelerada das hemácias, enquanto as anemias por perda sanguínea aguda são causadas pela perda rápida e significativa de sangue, geralmente devido a hemorragias. Ambas podem levar a um aumento de reticulócitos, mas a causa subjacente e o tratamento são diferentes.

Classificação das Anemias Hiperproliferativas

Tipos principais de anemias hiperproliferativas

As anemias hiperproliferativas podem ser divididas em dois grupos principais. O primeiro é o das anemias hemolíticas, que ocorrem devido à destruição precoce das hemácias, seja no sistema reticuloendotelial (esplenomegalia e fígado) ou diretamente nos vasos sanguíneos, um processo conhecido como hemólise intravascular. O segundo grupo é o das anemias por perda sanguínea aguda, que acontecem em situações de hemorragias intensas e inesperadas, onde o corpo tenta compensar a perda de sangue, aumentando a produção de reticulócitos.

Exames laboratoriais indicativos

Os exames laboratoriais são fundamentais para identificar as condições subjacentes. A contagem elevada de reticulócitos é um dos principais indicadores, já que a medula óssea tenta repor rapidamente as hemácias perdidas. Além disso, exames como a dosagem de LDH, que se eleva com a destruição das hemácias, a redução de haptoglobina, que se liga à hemoglobina liberada, e a bilirrubina indireta, que também se eleva com a destruição das hemácias, ajudam a confirmar o diagnóstico. 

Outro exame importante é o esfregaço de sangue periférico, que pode revelar hemácias imaturas e destruição de hemácias, características das anemias hiperproliferativas.

Talassemias

O que são talassemias?

As talassemias são distúrbios hereditários da hemoglobina, em que há uma produção deficiente de uma das cadeias globínicas, alfa ou beta, resultando em hemácias anormais e disfuncionais. Essa deficiência leva a uma série de complicações, como anemia crônica, sobrecarga de ferro e deformidades ósseas. 

Existem dois tipos principais de talassemia: alfa e beta, dependendo da cadeia globínica afetada. 

Talassemia alfa: Envolve defeitos na produção das cadeias alfa da hemoglobina.
Talassemia beta: Envolve defeitos nas cadeias beta da hemoglobina.

As talassemias podem ser assintomáticas em suas formas leves ou moderadas, mas em casos graves, como na betatalassemia major, as complicações podem ser severas, incluindo deformidades ósseas e falência orgânica.

Características laboratoriais das talassemias

Em termos laboratoriais, as talassemias podem ser identificadas pela presença de hemoglobina microcítica e hipocrômica no hemograma, ou seja, hemácias menores e com menos hemoglobina. 

Uma das formas mais comuns de diagnóstico diferencial é com a anemia ferropriva, pois ambos os distúrbios se apresentam com características semelhantes, como o volume corpuscular médio (VCM) baixo. No entanto, na talassemia, o RDW permanece normal e a ferritina pode ser normal ou até elevada, enquanto na anemia ferropriva, o RDW costuma ser alto e a ferritina está baixa. 

Além disso, a eletroforese de hemoglobina e testes genéticos podem ser usados para confirmar a presença de diferentes tipos de hemoglobinas e para identificar mutações genéticas em casos duvidosos.

Tipos de alfatalassemia

Há alguns subtipos a depender da quantidade de mutações dentro dos tipos de talassemias, por exemplo, nas alfatalassemias temos:

Traço talassêmico alfa: Geralmente assintomático, pode ser identificado em exames de rotina.

Doença HbH: Anemia hemolítica, que forma um tetrâmero solúvel tornando as hemácias instáveis.

Hb de Bart: Letal, com os 4 genes mutados, causa hidropsia fetal (incompatível com a vida)

Tipos de betatalassemia

Na betatalassemia também temos subdivisões:

Betatalassemia minor: anemia leve, muitas vezes confundida com ferropriva.

Betatalassemia intermediária: anemia hemolítica moderada a grave, que pode necessitar de transfusão.

Betatalassemia major: doença grave, causando anemia crônica severa, com poiquilocitose e eritroblastos circulantes. 

Tratamento das Talassemias

Não há tratamento definitivo, sendo de suporte a depender da sintomatologia, com transfusões, monitorando para evitar sobrecarga de ferro. Em casos de hiperesplenismo grave/intenso, pode-se cogitar a esplenectomia. 

Anemias Hemolíticas

O que é hemólise?

A hemólise, que é a destruição das hemácias, pode ocorrer por diferentes mecanismos, como a hemólise intravascular, onde as hemácias são destruídas dentro dos vasos sanguíneos, ou a hemólise extravascular, que ocorre no sistema reticuloendotelial, como no baço. Quando as hemácias são destruídas mais rapidamente do que a medula óssea consegue produzir novas, ocorre a anemia hemolítica.

Causas da hemólise

As causas da hemólise podem ser variadas, incluindo defeitos na membrana das hemácias, como na esferocitose hereditária, deficiências enzimáticas, como a deficiência de G6PD, doenças autoimunes, como a anemia hemolítica autoimune, e síndromes microangiopáticas, que afetam a microcirculação.

Exames laboratoriais ajudam a confirmar a presença de hemólise. O aumento de LDH, a redução de haptoglobina e o aumento de bilirrubina indireta são sinais típicos. O diagnóstico é frequentemente complementado por testes de Coombs e o esfregaço de sangue, que pode mostrar a presença de hemácias destruídas, como no caso das hemácias esferocitárias ou células “bite” no caso da deficiência de G6PD.

Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT)

O que é PTT?

A Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) é uma condição rara, mas grave, caracterizada pela formação de trombos plaquetários na microcirculação, o que pode levar a uma série de complicações, incluindo anemia hemolítica microangiopática e insuficiência renal. Nessa doença, a deficiência de ADAMTS13, uma enzima que regula a função das plaquetas, resulta na formação de microtrombos, o que causa a trombocitopenia e hemólise.

Diagnóstico da PTT

O diagnóstico de PTT envolve a avaliação laboratorial, com a observação de hemólise não imune, onde há aumento de bilirrubina indireta, DHL elevado e haptoglobina reduzida. O teste de Coombs é negativo, já que a hemólise não é mediada por anticorpos. 

Tratamento da PTT

O tratamento da PTT geralmente inclui plasmaférese, para remover anticorpos contra ADAMTS13, além do uso de prednisona (1 mg/kg) como adjuvante e, em alguns casos, esquemas de imunossupressores. Quando os níveis de plaquetas chegarem a 50.000, é importante associar um antiagregante plaquetário, para evitar a formação de trombos, mas evitar transfusão de plaquetas, pelo risco de piora do quadro renal e neurológico do paciente. 

Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU)

O que é SHU?

A Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU) é uma condição caracterizada por anemia hemolítica microangiopática associada a insuficiência renal aguda. Em geral, a SHU é provocada por infecções bacterianas, especialmente a infecção por Escherichia coli produtora da toxina Shiga. A principal característica da SHU é a lesão nos vasos sanguíneos dos rins, o que pode levar à insuficiência renal, além de outros sintomas, como trombocitopenia e hemólise.

Diferenças entre PTT e SHU

O diagnóstico de SHU envolve a identificação de hemólise, com aumento de bilirrubina indireta e DHL elevado, semelhante à PTT. 

A principal diferença entre as duas condições é que a SHU é geralmente associada à infecção bacteriana, enquanto a PTT é causada por uma deficiência enzimática (ADAMTS13).

Tratamento da SHU

O tratamento da SHU foca na hidratação intensa para preservar a função renal, além de suporte clínico para o controle da insuficiência renal. 

Anemia Hemolítica Autoimune (AHAI)

O que é AHAI?

A Anemia Hemolítica Autoimune (AHAI) é uma condição onde o sistema imunológico do paciente produz anticorpos que atacam suas próprias hemácias, levando à sua destruição prematura. 

Tipos de AHAI

Existem dois tipos principais de AHAI: a forma mediada por anticorpos quentes (IgG), que provoca hemólise extravascular, e a forma mediada por anticorpos frios (IgM), que resulta em hemólise intravascular.

Diagnóstico da AHAI

O diagnóstico da AHAI é feito principalmente por meio do teste de Coombs direto, que é positivo nos casos de anemia autoimune. Além disso, o paciente pode apresentar esplenomegalia, icterícia e outros sinais de destruição de hemácias. 

Tratamento da AHAI

O tratamento envolve a suplementação de ácido fólico e o uso de corticosteroides, como a prednisona (1 mg/kg/dia), para controlar a resposta imunológica, e, em casos mais graves ou refratários, pode ser indicada a plasmaférese ou esplenectomia. A transfusão de sangue deve ser evitada, a menos que seja absolutamente necessária, para não agravar o quadro de hemólise.

Esferocitose Hereditária

O que é esferocitose hereditária?

A esferocitose hereditária é uma condição genética autossômica dominante em que as hemácias apresentam um defeito na sua membrana, tornando-as esféricas, mais frágeis e suscetíveis à destruição. As hemácias esféricas não conseguem passar com facilidade pelos pequenos vasos sanguíneos, resultando em hemólise prematura, principalmente no baço.

Fonte: Lorenzi, Therezinha Ferreira. Atlas de Hematologia: Clínica Hematológica Ilustrada. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2006. 

Diagnóstico

O diagnóstico da esferocitose hereditária é confirmado por exames laboratoriais que mostram aumento da concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM), índice de distribuição de hemácias (RDW) elevado, e presença de esferócitos no esfregaço de sangue periférico. O parvovírus B19 é o principal fator desencadeante das crises hemolíticas nos pacientes com esferocitose hereditária e podem dar uma pista diagnóstica. 

Tratamento

O tratamento pode incluir a suplementação de ácido fólico e, em casos graves, a esplenectomia, que ajuda a reduzir a destruição das hemácias e melhora os sintomas.

Deficiência de G6PD

O que é deficiência de G6PD?

A deficiência de G6PD (enzima glicose-6-fosfato desidrogenase) é uma condição genética ligada ao cromossomo X, que resulta na falta de uma enzima importante para proteger as hemácias contra o estresse oxidativo. Sem essa enzima, as hemácias se tornam vulneráveis a agentes que causam estresse, como certos medicamentos ou alimentos, como o feijão fava.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito através do esfregaço de sangue, onde podem ser observadas a precipitação do grupo heme ligado ao ferro, os corpúsculos de Heinz ou hemácias com corpúsculos com lesões nas paredes, chamadas de “bite cells” ou “células mordidas”. Lembre também que é um teste incluído no teste do pezinho, realizado em recém-nascidos. 

Tratamento

O tratamento para a deficiência de G6PD é essencialmente preventivo, evitando os fatores desencadeantes da hemólise, como certos medicamentos, alimentos e infecções. Durante as crises de hemólise, o suporte clínico, incluindo hidratação e monitoramento da função renal, é crucial.

Anemia Falciforme

O que é anemia falciforme?

A anemia falciforme é uma doença genética causada por uma mutação na cadeia beta da hemoglobina, resultando na formação de hemoglobina S (HbS). Essas hemácias falciformes são rígidas, em formato de foice, e tendem a se acumular em pequenos vasos e lentificar o fluxo sanguíneo, causando obstruções e uma série de complicações.

Diagnóstico

O diagnóstico é confirmado pela eletroforese de hemoglobina. Além disso, é incluída no teste do pezinho. Podemos identificar laboratorialmente hemácias em forma de foice no esfregaço sanguíneo, presença de reticulocitose elevada, anemia hemolítica normocrômica e normocítica, com bilirrubina indireta aumentada.

Hemácias falciformes e eritroblastos circulantes (frequente nas anemias hemolíticas). 

Fonte: Lorenzi, Therezinha Ferreira. Atlas de Hematologia: Clínica Hematológica Ilustrada. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2006. 

As principais complicações incluem sequestro esplênico, crises álgicas intensas, síndrome torácica aguda e osteonecrose. 

Complicações

Algumas complicações estão associadas à anemia falciforme, vamos abordar rapidamente sobre as principais. 

O sequestro esplênico é caracterizado pelo acúmulo de hemácias no baço, levando à hipovolemia, infarto esplênico e aumento do risco de infecções. Os pacientes apresentam anemia grave (Hb 2-3 g/dL), reticulócitos elevados e leucopenia/plaquetopenia, com sintomas como dor abdominal, taquipneia, taquicardia, hipotensão e choque, sendo tratado com hidratação e transfusão sanguínea. 

A síndrome “mão-pé” é uma dactilite dolorosa comum na infância, tratada como outras crises álgicas. As crises álgicas podem durar de horas a semanas, com dor predominante em ossos e articulações, controlada com analgésicos, sendo a hidratação e transfusão indicadas em casos específicos. 

A síndrome torácica aguda (STA), uma complicação grave, envolve febre, dor torácica e hipoxemia, necessitando de oxigenação adequada, controle da dor, hidratação, fisioterapia respiratória e antibióticos, com transfusão para reduzir a HbS. 

A osteonecrose ocorre por falha de perfusão óssea, afetando a cabeça do fêmur ou úmero.

Tratamento

O tratamento principal é o de suporte, com resolução das intercorrências. Durante o tratamento, pode ser incluído o uso de hidroxureia para aumentar a produção de hemoglobina fetal (HbF), transfusões de sangue para reduzir a quantidade de HbS, suplementação de ácido fólico, e medidas para prevenir infecções, como vacinação e antibióticos.

Categories: Especialidades