As disnatremias são distúrbios que envolvem alterações na concentração sérica de sódio, um dos principais íons presentes no plasma. O sódio é fundamental para a regulação do volume extracelular e da osmolaridade plasmática, o que impacta diretamente na homeostase hídrica e na função celular.
Existem duas principais condições associadas às disnatremias: a hiponatremia, caracterizada por baixos níveis de sódio no sangue, e a hipernatremia, quando há excesso desse íon. Ambas as condições podem ter causas variadas e implicações clínicas significativas, exigindo diagnóstico e manejo adequados para evitar complicações graves, como crises convulsivas ou danos neurológicos.
O que são disnatremias?
As disnatremias referem-se a alterações nos níveis de sódio no sangue, podendo se manifestar como hiponatremia ou hipernatremia.
- Hiponatremia: ocorre quando a concentração de sódio no plasma é inferior a 135 mEq/L.
- Hipernatremia: caracteriza-se por níveis superiores a 145 mEq/L.
Esses distúrbios geralmente decorrem de um desequilíbrio na água corporal, o que altera a concentração do sódio, um dos principais íons extracelulares.
Importância do sódio na homeostase corporal
O sódio desempenha um papel crucial na regulação da osmolaridade plasmática, sendo o principal cátion extracelular responsável por manter o equilíbrio entre os compartimentos intra e extracelulares.
A fórmula para calcular a osmolaridade plasmática é:
Osm = 2 × [Na+] + (Glicemia / 18) + (Ureia / 6)
A faixa normal de osmolaridade é entre 280 e 295 mOsm/L. Esse equilíbrio é essencial para a manutenção da pressão arterial, volume sanguíneo e função celular, sendo regulado por diversos mecanismos fisiológicos, como a liberação de hormônios como aldosterona e hormônio antidiurético (ADH).
Regulação do Sódio e da Volemia
Mecanismos de controle da volemia
O controle do volume de líquidos corporais e da concentração de sódio no sangue é mediado principalmente pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e pelo hormônio antidiurético (ADH).
- SRAA é ativado quando há redução do volume arterial efetivo (VAE), resultando na secreção de aldosterona, que promove a reabsorção de sódio e água nos rins.
- ADH é secretado em resposta à hiperosmolaridade plasmática, estimulando a retenção de água nos rins, o que ajuda a diluir o plasma e equilibrar os níveis de sódio.
Regulação da excreção de sódio
A excreção de sódio é ajustada conforme a necessidade do corpo para manter a homeostase do volume e da concentração plasmática de sódio.
- Excesso de volume extracelular (hipervolêmico): SRAA e ADH são inibidos para promover a excreção de sódio e água.
- Déficit de volume extracelular (hipovolêmico): esses sistemas são ativados para reter sódio e água, ajudando a restaurar o equilíbrio.
Métodos de medição do sódio
A medição precisa dos níveis de sódio é essencial para o diagnóstico correto das disnatremias.
- Pseudo-hiponatremia pode ocorrer em situações como hiperlipidemia ou hiperproteinemia, que interferem na medição.
- Métodos íon-específicos, como a medição por eletrodo íon seletivo, são preferíveis à espectrofotometria, que pode gerar erros devido à interferência de substâncias plasmáticas.
Hiponatremia
Definição e classificação
A hiponatremia é definida como a concentração de sódio no plasma abaixo de 135 mEq/L. Este distúrbio é mais comum que a hipernatremia e pode resultar de uma ampla gama de causas, desde desidratação até condições endócrinas e neurológicas.
Ela pode ser classificada de acordo com a osmolaridade plasmática, que pode ser:
- Hiperosmolar
- Isosmolar
- Hiposmolar
dependendo da causa subjacente.
Quadro clínico
Os sintomas da hiponatremia variam de acordo com a gravidade e a velocidade com que os níveis de sódio caem. Podem incluir:
- Fadiga
- Fraqueza
- Anorexia
- Náuseas
- Cefaleia
- Confusão mental
- Convulsões
- Coma
A gravidade das manifestações clínicas está intimamente relacionada à rapidez com que o distúrbio se instala.
Investigação diagnóstica
A investigação diagnóstica da hiponatremia deve começar com a avaliação da osmolaridade sérica:
- Hiponatremia hiperosmolar (> 295 mOsm/L): hiperglicemia, manitol
- Hiponatremia isosmolar (285-295 mOsm/L): pseudo-hiponatremia (hiperlipidemia, hiperproteinemia)
- Hiponatremia hiposmolar (< 285 mOsm/L): verdadeira hiponatremia
O segundo passo envolve a avaliação da volemia, que pode ser:
- Hipovolêmica: perda de Na+ maior que perda de água
- Isovolêmica: retenção excessiva de água livre (ex.: SIADH, hipotireoidismo)
- Hipervolêmica: hiponatremia das insuficiências (insuficiência cardíaca, doença renal crônica, cirrose, síndrome nefrótica)
Síndrome da Secreção Inapropriada de ADH (SIADH)
A SIADH é uma das causas mais comuns de hiponatremia, especialmente em ambiente hospitalar. Caracteriza-se pela secreção excessiva de ADH, resultando em retenção de água e diluição do sódio no plasma.
Critérios diagnósticos:
- Na+ urinário normal (> 30 mEq/L)
- Osmolaridade urinária elevada (> 100 mOsm/L)
- Hipouricemia e aumento do ácido úrico urinário
Principais causas:
- Doenças do SNC (AVC, trauma, meningite)
- Doenças pulmonares (tuberculose, ventilação mecânica)
- Neoplasias (câncer de pulmão, mediastino, rim)
- Drogas (carbamazepina, antidepressivos, MDMA)
Tratamento da hiponatremia
O tratamento depende da gravidade e da causa subjacente:
- Casos leves e assintomáticos: suspender o fator causal
- Hiponatremia hipovolêmica: reposição com soro fisiológico 0,9%
- SIADH: restrição hídrica + diuréticos
- Casos graves (Na+ < 120 mEq/L ou sintomas neurológicos):
- Correção com soro hipertônico (NaCl 3%)
- Evitar correção maior que 8-10 mEq/L em 24 horas → risco de desmielinização osmótica
Hipernatremia
Definição e classificação
A hipernatremia é definida como uma concentração de sódio no plasma superior a 145 mEq/L, sempre associada à hiperosmolaridade (osmolaridade superior a 295 mOsm/L).
Geralmente ocorre quando há perda excessiva de água ou ingestão insuficiente de líquidos, levando ao aumento da concentração de sódio.
Quadro clínico
Os sintomas incluem:
- Sede intensa
- Mucosas secas
- Olhos encovados
- Confusão mental
- Convulsões
- Coma
A hipernatremia pode ser um distúrbio muito grave, especialmente se não tratado adequadamente.
Investigação diagnóstica
A avaliação da volemia ajuda a classificar a hipernatremia:
- Hipervolêmica: infusão excessiva de NaCl 3% ou bicarbonato de sódio
- Isovolêmica: perda de água livre (diabetes insipidus)
- Hipovolêmica: perda de água maior que perda de sódio (ex.: diarreia, vômitos)
Diabetes insipidus (DI)
O diabetes insipidus é uma das causas mais comuns de hipernatremia isovolêmica.
- DI central: deficiência de ADH (ex.: lesões no SNC)
- DI nefrogênico: resistência ao ADH (ex.: uso de lítio, hipocalemia)
Diagnóstico diferencial:
- Administração de desmopressina (DDAVP)
- Melhora → DI central
- Sem resposta → DI nefrogênico
Tratamento da hipernatremia
- Correção com solução hipotônica (soro glicosado 5% ou NaCl 0,45%)
- Evitar correção > 12 mEq/L por 24h → risco de edema cerebral
- DI central: desmopressina
- DI nefrogênico: suspender lítio, corrigir hipocalemia
Comparação entre Hiponatremia e Hipernatremia
A hiponatremia e a hipernatremia são distúrbios que envolvem desequilíbrios na concentração de sódio no plasma, mas com causas e tratamentos distintos.
Característica | Hiponatremia | Hipernatremia |
---|---|---|
Definição | Na+ < 135 mEq/L | Na+ > 145 mEq/L |
Causas comuns | Retenção excessiva de água, perda de sódio | Perda excessiva de água, ingestão insuficiente de água |
Sintomas | Fadiga, fraqueza, náuseas, cefaleia, confusão, convulsões, coma | Sede intensa, mucosas secas, olhos encovados, coma |
Osmolaridade plasmática | Hiposmolar (< 280 mOsm/L) ou isosmolar (285-295 mOsm/L) | Hiperosmolar (> 295 mOsm/L) |
Classificação | Hiperosmolar, isosmolar ou hiposmolar | Hipervolêmica, isovolêmica ou hipovolêmica |
Diagnóstico | Avaliação da osmolaridade e da volemia | Avaliação da osmolaridade e da volemia |
Principais causas | SIADH, IC, cirrose, síndrome nefrótica, diuréticos | DI, desidratação, excesso de NaCl |
Tratamento | Suspender fator causal, reposição de sódio, restrição hídrica | Correção hipotônica, tratar causa subjacente (ex.: DI) |
Risco de correção rápida | Desmielinização osmótica (> 8-10 mEq/L em 24h) | Edema cerebral (> 12 mEq/L em 24h) |