Reações Transfusionais: Tipos, Diagnóstico e Conduta | Guia Completo para Profissionais de Saúde
30 de junho de 2025

O que são reações transfusionais?

Reações transfusionais são complicações que podem ocorrer após a administração de hemocomponentes a um paciente. Elas resultam da interação imunológica ou não imunológica entre os hemocomponentes transfundidos e o receptor, podendo se manifestar de forma imediata (até 24 horas) ou tardia (após 24 horas).

Importância do reconhecimento precoce

É fundamental que profissionais de saúde monitorem clinicamente o paciente durante e após a transfusão para detectar sinais precoces de reações adversas. A interrupção imediata da transfusão é crucial diante de qualquer sintoma sugestivo de reação transfusional, pois algumas dessas reações podem evoluir rapidamente para complicações graves, como choque e insuficiência renal aguda.

Hemocomponentes e Suas Indicações

Como são preparados os hemocomponentes?

Os hemocomponentes são preparados a partir da coleta de sangue total e submetidos a um processo de centrifugação, separando-se diferentes componentes sanguíneos, como hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado. O armazenamento varia conforme o tipo:

  • Hemácias: armazenadas a 4°C.
  • Plaquetas: mantidas à temperatura ambiente (20-24°C).
  • Plasma: armazenado congelado a -18°C.
  • Crioprecipitado: armazenado a -18°C.

Indicações do Concentrado de Hemácias

O concentrado de hemácias (CH) é indicado para pacientes com anemia sintomática e hemoglobina (Hb) menor que 7 g/dL, ou para pacientes com Hb menor que 9 g/dL com cardiopatia instável ou talassemia maior. Nos pacientes sintomáticos com hemoglobina entre 7-10 g/dL, a transfusão dependerá do estado clínico e da performance cardiorrespiratória.

Cada unidade de CH transfundida eleva em média 1 g/dL os níveis de hemoglobina. Vale lembrar que a transfusão não é indicada para anemias carenciais, pois estas geralmente respondem bem à reposição vitamínica ou de ferro, salvo em casos graves.

Indicações do Concentrado de Plaquetas

O concentrado de plaquetas é indicado para pacientes com plaquetas menores que 50.000/mm³ em casos de sangramento ativo, ou menores que 100.000/mm³ em neonatos doentes. Também está indicado na presença de sangramento com risco iminente de morte em pacientes com comorbidades autoimunes.

Importante ressaltar que, em geral, pela alta carga antigênica, as transfusões de plaquetas são contraindicadas em condições autoimunes como PTI, PTT, SHU, síndrome HELLP e trombocitopenia associada à heparina, exceto nos casos de risco iminente de morte por sangramento.

Indicações do Plasma Fresco Congelado

O plasma fresco congelado (PFC) é utilizado em casos de sangramento ativo, distúrbios de coagulação relacionados ao uso de anticoagulantes ou na necessidade de procedimentos invasivos de urgência que envolvem distúrbios de coagulação. A dosagem usual de PFC varia entre 10 e 20 mL/kg.

Indicações do Crioprecipitado

O crioprecipitado é indicado para casos de coagulação intravascular disseminada (CIVD) com sangramento ativo, reposição de fibrinogênio inferior a 100 mg/dL em casos de sangramento ativo ou necessidade de procedimento invasivo, ou em deficiências dos fatores de coagulação VIII ou XIII. A dose recomendada é de 1 unidade para cada 10 kg de peso corporal.

O que é Transfusão Maciça?

A transfusão maciça é definida como a reposição de mais de 30-40% da volemia do paciente em até 24 horas ou o uso de mais de 10 unidades de hemoconcentrado. É utilizada em choques hipovolêmicos decorrentes de traumas graves, ferimentos múltiplos, cirurgias de grande porte ou complicações obstétricas.

Entre os riscos associados estão coagulopatia dilucional, hipocalemia, acidose e hipotermia. Por isso, é necessária a monitorização frequente dos parâmetros laboratoriais e clínicos.

Como Reduzir Riscos nas Transfusões

Para diminuir o risco de reações transfusionais, existem diversos procedimentos aos quais uma bolsa de hemocomponente pode ser submetida. Nem todas as bolsas passam por esses processos, devido ao custo envolvido, mas quando bem indicados, estão à disposição para pacientes com necessidades específicas.

Irradiação de Hemocomponentes

A irradiação tem como objetivo inativar os linfócitos T para prevenir a doença do enxerto contra o hospedeiro (GVHD). É especialmente indicada para pacientes imunossuprimidos, transplantados de células hematopoiéticas e neonatos prematuros.

Lavagem de Hemocomponentes

A lavagem remove as proteínas do plasma, sendo indicada para pacientes com histórico de reações alérgicas a transfusões anteriores.

Desleucocitação ou Filtração

A desleucocitação reduz a carga de leucócitos nos hemocomponentes, prevenindo reações febris não hemolíticas e aloimunização leucocitária em pacientes submetidos a múltiplas transfusões.

Tipagem Sanguínea e Compatibilidade

Sistema ABO e suas Implicações

O sistema ABO determina a compatibilidade entre doadores e receptores, originando quatro tipos sanguíneos, cada um com antígenos específicos. Nem todos os tipos podem ser transfundidos entre si, pois existe risco de aglutinação das hemácias, o que pode gerar reações hemolíticas agudas.

  • Grupo O: doador universal.
  • Grupo AB: receptor universal.

O que é o Fator Rh?

O fator Rh define se um indivíduo é Rh positivo ou Rh negativo. Pacientes Rh positivo só devem doar para outros Rh positivo, pois possuem anticorpos que podem causar aglutinação. Já indivíduos Rh negativo podem doar tanto para Rh positivo quanto para Rh negativo, mas não devem receber sangue Rh positivo, para evitar o risco de aloimunização.

Em mulheres em idade fértil, deve-se evitar a exposição a sangue Rh positivo para prevenir a doença hemolítica do recém-nascido em gestações futuras.

Reações Transfusionais Imediatas

Reação Hemolítica Aguda

  • Causa: incompatibilidade ABO, levando à destruição rápida das hemácias.
  • Manifestações: febre, calafrios, taquicardia, dor lombar, insuficiência renal aguda e, em casos graves, coagulopatia intravascular disseminada (CIVD).
  • Tratamento: suspensão imediata da transfusão, hidratação vigorosa e suporte hemodinâmico.

Reação Febril Não Hemolítica

  • Causa: aloimunização contra antígenos HLA dos leucócitos transfundidos ou produção de citocinas.
  • Manifestações: febre, calafrios, rash cutâneo, mal-estar, geralmente no final da transfusão ou até quatro horas após seu término.
  • Tratamento: antipiréticos, anti-histamínicos e suspensão da transfusão para investigar contaminação bacteriana.

Contaminação Bacteriana

  • Causa: sangue contaminado durante a coleta, armazenamento ou manipulação.
  • Manifestações: febre, calafrios, hipotensão, sinais de choque.
  • Tratamento: suspensão imediata da transfusão, coleta de hemocultura e início de antibióticos de amplo espectro.

TRALI (Injúria Pulmonar Relacionada à Transfusão)

  • Causa: anticorpos do doador reagem com anticorpos do receptor, provocando inflamação pulmonar e aumento da permeabilidade vascular alveolar.
  • Manifestações: febre, calafrios, taquipneia, hipóxia, cianose e edema pulmonar.
  • Tratamento: suporte ventilatório, oxigênio e, em casos graves, ventilação mecânica.

TACO (Sobrecarga Volêmica Associada à Transfusão)

  • Causa: infusão rápida de volume excessivo em pacientes com insuficiência cardíaca ou renal.
  • Manifestações: hipertensão, dispneia, taquicardia e edema pulmonar.
  • Tratamento: diuréticos, suporte ventilatório e, em alguns casos, corticoterapia.

Reações Transfusionais Tardias

Reação Hemolítica Tardia

Ocorre de 2 a 10 dias após a transfusão, geralmente causada por aloimunização contra antígenos eritrocitários não detectados na triagem inicial.

Aloimunização do Receptor

Desenvolvimento de anticorpos contra hemácias recebidas em múltiplas transfusões, podendo dificultar a compatibilidade em transfusões futuras.

Transmissão de Doenças Infecciosas

Existe risco de transmissão de doenças infecciosas, como HIV, HTLV, sífilis e hepatites B e C, risco que tem sido reduzido ao longo do tempo graças a testes rigorosos realizados nos bancos de sangue.

GVHD (Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro)

Na GVHD, linfócitos T do doador atacam tecidos do receptor, sendo potencialmente fatal, principalmente em pacientes imunossuprimidos.

Hemocromatose Secundária

Pacientes que recebem transfusões repetidas podem desenvolver hemocromatose secundária, caracterizada pelo acúmulo de ferro nos tecidos. O tratamento inclui uso de quelantes de ferro, como deferasirox ou deferoxamina.


Tabela Comparativa das Reações Transfusionais Imediatas

Reação Transfusional Causa Manifestações Tratamento
Reação Hemolítica Aguda Incompatibilidade ABO (destruição rápida das hemácias) Febre, calafrios, taquicardia, dor lombar, CIVD Suspender transfusão, hidratação vigorosa, suporte hemodinâmico
Reação Febril Não Hemolítica Aloimunização contra antígenos HLA dos leucócitos Febre, calafrios, rash cutâneo, mal-estar Antipiréticos, anti-histamínicos, suspender se necessário
Contaminação Bacteriana Contaminação na coleta, armazenamento ou manipulação Febre, calafrios, hipotensão, sinais de choque Suspender transfusão, hemocultura, antibióticos de amplo espectro
TRALI Anticorpos do doador induzem resposta inflamatória Febre, calafrios, taquipneia, hipóxia, edema pulmonar Suporte ventilatório, oxigênio, ventilação mecânica se necessário
TACO Infusão rápida em pacientes com ICC ou insuficiência renal Hipertensão, dispneia, taquicardia, edema pulmonar Diuréticos, suporte ventilatório, monitoramento clínico
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